Setor agropecuário: como se adequar às novas exigências do mercado

Setor agropecuário: como se adequar às novas exigências do mercado

Recentemente, a União Europeia realizou um acordo que impede a importação de produtos ligados ao desmatamento. Neste acordo, estabeleceu-se que o mercado europeu não aceitará a entrada de commodities – como carne, soja, madeira, café, entre outros – provenientes de áreas que tenham sido desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

No mesmo sentido, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27) realizada no final de 2022 no Egito, foi aprovada, entre outras medidas, a limitação do aquecimento global em 1,5ºC até 2100.

Dessa forma, uma das maneiras de garantir que o Brasil não seja prejudicado em suas exportações, bem como alcance as metas de redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE), é a adoção de práticas e políticas sustentáveis pelo setor.

Com base nisso, nesse post vamos aprofundar um pouco sobre os fatores que levam ao aumento da emissão desses gases e quais medidas devem ser adotadas com o propósito de que pecuaristas e agricultores não sejam penalizados. Confira!

Leia também: Adubação de pastagem: confira como realizá-la corretamente.

Emissão de gases pelo setor agropecuário no Brasil

De acordo com o relatório “Análise das emissões brasileiras de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas climáticas do Brasil” do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), em 2021 o Brasil emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 (dióxido de carbono), sendo que apenas o setor agropecuário foi responsável por 577 milhões de toneladas desse gás (aumento de 2,5% em relação ao ano anterior). Foi a maior alta em quase duas décadas, representando um crescimento de 12,2% em relação a 2020.

Aliás, essas emissões no Brasil cresceram até mesmo em 2020, ano em que a pandemia da Covid-19 parou a economia mundial e causou uma inédita redução de quase 7% nas emissões globais. Estivemos na contramão do resto do mundo, com um aumento de 9,5% das emissões.

Área desmatada com toras de madeiras cortadas e empilhadas no chão. Ao fundo, tem-se um rio e uma densa floresta dominando a paisagem.
O desmatamento foi um dos motivos que levaram à elevação da emissão de gases causadores do efeito estufa.

Já é o quarto ano consecutivo que o Brasil registra altas quanto as emissões, além de constituir o maior número verificado desde 2003. O cenário apresentado pelo SEEG coloca o país como o quinto maior emissor de gases do mundo (4% do total), atrás da China (23,7% do total), Estados Unidos (12,9%), Índia (6,5%) e Rússia (4,2%).

Os mesmos dados apontam que o desmatamento, principalmente na região amazônica, foi um dos maiores responsáveis pela elevação da emissão de gases que causam o efeito estufa, juntamente com as mudanças de uso da terra.

Tratando-se do setor agropecuário, a fermentação entérica dos animais domina as emissões de GEE, representando cerca de 65% das emissões diretas, sendo que os rebanhos bovinos de corte e de leite dominam cerca de 96,9% desse total. Em seguida, têm-se as emissões diretas da agricultura com o manejo de solo utilizando dejetos de bovinos de corte como adubo e fertilizantes sintéticos.

País pode ter exportações prejudicadas

A questão da emissão de gases de efeito estufa pelo setor agropecuário pode afetar economicamente o Brasil ao gerar empecilhos à exportação de seus produtos.

É o caso, por exemplo, do acordo fechado pela União Europeia. Nele, impede-se que seja realizada a importação de produtos ligados ao desmatamento, podendo impactar na cadeia de exportação de carne brasileira, bem como nas de soja, café, madeira, borracha e outras commodities.

Destaca-se que a União Europeia é um dos maiores mercados compradores de produtos agropecuários brasileiros. A partir desse acordo, as empresas brasileiras terão que demonstrar quando e onde as commodities foram produzidas, ou seja, comprovar que não são oriundas de áreas desmatadas após dezembro de 2020, ainda que com permissão legal.

Campo florido com a presença de vaca branca e preta no canto esquerdo. Em destaque está a sigla CO2 ao centro da imagem.
A exportação brasileira de carne à União Europeia corre o risco de ser prejudicada em virtude da emissão de gases do efeito estufa.

O tema também foi amplamente discutido durante a COP-27, convenção da Organização das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), realizada no Egito. Durante o evento, os participantes debateram sobre o cumprimento das regras estabelecidas no Acordo de Paris, sobretudo o uso de fontes renováveis de energia e avanço da descarbonização, entre outros temas sustentáveis.

Então surge a pergunta: quais as soluções para essa situação? É o que iremos tratar a seguir.

Veja também: Utilização da palma forrageira na alimentação bovina.

Como reduzir a emissão desses gases?

Conforme abordamos acima, trata-se de um tema de suma importância e em destaque que abrange tanto questões ambientais como questões econômicas. Atualmente, existem algumas práticas que auxiliam na redução de impactos ambientais causados pelo aumento da emissão de GEE.

Elencamos as mais relevantes e vamos apresentá-las abaixo. Acompanhe.

Biodigestor

O biodigestor constitui uma alternativa para substituir as esterqueiras, que são formas de armazenamento de dejetos de suínos presentes em cerca de 95% das granjas. Durante esse processo de armazenamento para posterior aplicação no solo, os dejetos emitem metano (CH4) e amônia (NH3), além de resultar em incremento na emissão de dióxido de carbono (CO2) e óxido nitroso (N2O).

Com a substituição da esterqueira por um biodigestor, a quantidade de gases de efeito estufa emitidos é reduzida, uma vez que ocorre a combustão do gás metano (CH4 ) decorrente de sua retenção, sendo convertido em energia e dióxido de carbono (CO2).

Suínos criados em confinamento. Na foto, alguns estão se alimentando em comedouro e outros, ao redor, estão deitados.
O tratamento de dejetos gerados na criação de suínos em sistema de confinamento com o uso de biodigestores contribui para a diminuição da emissão de gases poluentes.

Estudos apontam que o arranjo com biodigestor (onde se considera os gases produzidos no biodigestor e a queima do CH4) emite 53% menos gases de efeito estufa que a esterqueira, podendo chegar a uma redução de até 80%. Em 2020 as emissões evitadas pelo tratamento de dejetos foram estimadas entre 0,6 e 1,7 milhão de toneladas equivalentes de CO2, gerando uma diminuição entre 01, e 0,2% das emissões totais previstas da agropecuária.

O biofertilizante, que é resultado do tratamento de dejetos por meio do biodigestor, também já conquistou benefícios às lavouras na redução de GEE. Por isso, trata-se de uma técnica cada vez mais utilizada por produtores rurais em suas propriedades.

Uso de biofertilizantes

O processo de biodigestão ou digestão anaeróbica a partir de dejetos, atualmente, é essencial para um sistema de produção mais sustentável, já que diminui o uso de fertilizantes comerciais e de energias convencionais. Além disso, ele proporciona a reciclagem de recursos, gerando o biogás e o biofertilizante.

Os biofertilizantes são resíduos orgânicos resultantes da biodigestão e seu uso na agropecuária contribui para a redução de emissões de GEE no setor. Apesar de serem fontes de óxido nitroso (N2O), assim como a compostagem, os resultados obtidos com o seu uso foram muito satisfatórios.

Mãos ao redor de muda plantada em terra e, ao lado, compostos orgânicos (cascas de vegetais, ovos e frutas).
Embora esse tipo de gás seja emitido pelo sistema de compostagem, há pontos positivos na sua utilização.

Como exemplo temos o caso da cultura do milho no Sul do Brasil. O cultivo do milho se dá durante o verão e o de aveia-preta durante o inverno, para a cobertura do solo. O biofertilizante utilizado nesse tipo de sistema – plantio direto – foi capaz de reduzir a emissão de N2O em 47%, enquanto com a aplicação de dejetos não tratados o resultado foi oposto, com aumento de 59% na emissão desse gás.

Entretanto, ambos os fertilizantes – biofertilizantes e não tratados – são capazes de fornecer nitrogênio para o milho, da mesma forma que os fertilizantes de origem mineral. Isso é ótimo, visto que compostos orgânicos também podem ser utilizados para recuperar áreas deterioradas.

Dessa forma, pode-se dizer que o uso de biofertilizantes e outras formas de compostos orgânico em plantio direto diminuem consideravelmente a taxa de carbono na atmosfera se compararmos ao uso de fertilizantes minerais como adubo para o plantio.

Monitoramento de emissões de gases de efeito estufa

Essa é outra prática que auxilia na redução dos impactos das emissões de gases do efeito estufa no setor agropecuário. Os gases poluentes (CO2, CH4 e N20) advindos de espaços de armazenamento, como lagoas de estabilização e depósitos de dejetos (esterqueiras), devem ser monitorados com o fim de evitar que atinjam um nível alto de emissão.

Simulações demonstram que a redução do tempo de armazenamento de 120 para 50 dias resulta em uma redução de 80% na emissão de gás metano (CH4) dos depósitos. Já a lagoa que armazena os resíduos de um biodigestor, com tempo de retenção hidráulico de 30 dias, emite 84% menos GEE se comparado com a esterqueira.

Manejo adequado do solo

O solo é um dos principais reservatórios naturais de carbono, sendo que o manejo adequado pelo setor agropecuário ajuda na redução da emissão de gases.

Sistema de plantio direto. Na foto, plantas de folhagens verdes enfileiradas com espaçamento entre elas.
O sistema de plantio direto é uma das práticas agrícolas sustentáveis que ajudam a reduzir a emissão de gases do efeito estufa.

Um estudo realizado pela Embrapa constatou que práticas agrícolas sustentáveis, como o Sistema Plantio Direto, contribuem na ampliação dos estoques de carbono do solo, reduzindo a liberação do gás na atmosfera.

Outros estudos estimaram que o plantio direto apresentou um potencial de redução de GEE para entre 16,7 e 25,4 milhões de toneladas equivalentes de CO2 em 2020. Isso equivale a uma redução de 2,3 a 3,5% do total de emissões estimadas na agropecuária nacional.

Tal manejo ajuda a preservar a qualidade física do solo, uma vez que a diversificação e as associações de espécies aumentam a quantidade e a distribuição de raízes.

Ademais, existem também duas soluções que são importantes de serem destacadas para a redução da emissão de gases pelo solo: a compostagem (realizada após a aplicação de fertilizantes orgânicos) e o parcelamento das adubações, que deve ser associado ao fornecimento adequado de nutrientes para os cultivos (adubação suplementar).

Acesse também: Como proteger o rebanho de agentes externos.

Novidades e regras que visam a redução da emissão de gases no setor

Atualmente, existem políticas que auxiliam e incentivam os produtores a adotar medidas de redução de GEE e são essenciais ao desenvolvimento sustentável do setor. Saiba um pouco mais sobre essas políticas e regras:

Plano ABC

O Plano ABC, com período de vigência de 10 anos (de 2010 a 2020), teve por objetivo o planejamento de ações visando implantar tecnologias de produção sustentáveis que reduzam a emissão de gases de efeito estufa no setor agropecuário brasileiro.

De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o plano mitigou cerca de 170 milhões de toneladas de dióxido de carbono, equivalente em uma área de 52 milhões de hectares, superando em 46,5% a meta estabelecida.

Livro aberto com cenário de pastagem e céu azul, com o símbolo CO2 em tamanho grande. O O está representado por uma árvore em formato redondo.
O Brasil estabeleceu metas para reduzir a emissão de dióxido de carbono no setor agropecuário.

O estudo apresentou ainda que, com relação ao plano ABC, o impacto social da recuperação de pastagens foi de 56%. Aliás, um levantamento feito por pesquisadores da Esalq/USP mostrou que a tecnologia de recuperação de pastagens (um dos sete programas do Plano ABC) provocou um aumento de 0,31% do PIB (Produto Interno Bruto), o equivalente a R$ 17 bilhões durante o período analisado (entre 2010 e 2018).

Diante desses resultados positivos, o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) lançou em abril de 2021 o Plano ABC+, ou seja, uma atualização do programa original com metas mais ousadas em conjunto com as medidas bem-sucedidas da primeira fase do plano, que devem aprimorar a sustentabilidade da produção agropecuária ao longo da próxima década (até 2030).

Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC)

A Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) ao Acordo de Paris é o principal compromisso internacional do Brasil na área de mudança de clima. O programa, que tem como base o ano de 2005, reafirma a redução das emissões líquidas totais de GEE em até 37% em 2025, além de assumir oficialmente o compromisso de reduzir em 43% até o ano de 2030.

Assim, a NDC brasileira tem como objetivo atingir até o ano de 2030 a restauração e o reflorestamento de 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação de cerca de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética do país.

Conclusão

Portanto, apesar de tratar-se de um tema bastante complexo, existem diversas medidas que podem ser adotadas visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa no setor agropecuário. São práticas bastante efetivas que vão auxiliar o setor, especialmente no que tange à exportação, cumprindo com as políticas mundiais de redução de GEE.

E então, esse artigo foi útil para você? Aproveite e acesse também nosso post com 5 dicas para ter maiores lucros na pecuária. Boa leitura!

Related Post

Deixe uma resposta

Your email address will not be published. Required fields are marked *